Sexta, 08 de Novembro de 2024
Publicidade

Nascida em Eunápolis, a compra programada de votos revoluciona a disputa eleitoral no Brasil

Como as eleições para vereador perdem a legitimidade e a finalidade diante da compra de votos em cidades baianas

29/10/2024 às 11h14
Por: Da Redação Fonte: Folhapop
Compartilhe:
Para Lembrar a publicação da Justiça Eleitoral com o que pode e o que não pode durante a campanha. Nenhuma menção direta à compra de votos
Para Lembrar a publicação da Justiça Eleitoral com o que pode e o que não pode durante a campanha. Nenhuma menção direta à compra de votos

Um sistema que nasceu dos resquícios do voto de cabresto que ainda tem registros na sociedade local é a base impulsionadora da compra de votos, agora mais estilosa, com utilização de recursos públicos diretos e indiretos, a anuência de detentores de cargos e até o uso da inteligência artificial. No esquema que revoluciona e turbina a ilegalidade e imoralidade da compra de votos, as candidaturas honestas, que formulam propostas, são antecipadamente lançadas ao fracasso, situação agravada agora com o desastroso e inimaginável critério de distribuição de recursos do Fundo de Campanha, absolutamente dissociado de quaisquer regras, em contexto que concretiza a chacota e agride sistematicamente a inteligência do povo. Trata-se de uma contribuição poderosa de municípios da Bahia ao complexo e agora turbinado sistema de compra de votos no Brasil.

De fato, as eleições brasileiras tanto podem desaguar em liberdade, legalidade e em perspectiva de desenvolvimento, consequência da democracia genuína, como podem servir para coonestar crimes e dar legalidade a injustiças e irregularidades incontornáveis, dando força à pauta de costumes nefastos que premia a malandragem e o oportunismo que se pensava superados pelo fortalecimento do regime democrático e pela compreensão da sociedade em evolução. No caso de Eunápolis este último item lhe cabe muito bem, considerando o que se assistiu no recente processo eleitoral. Trata-se de verdadeira revolução no Brasil no âmbito da conquista eleitoral de cargos públicos.

Clique aqui para lembrar o que pode e o que não pode durante a campanha eleitoral

Primeiro é lembrar que nem sempre que se fala em eleição está se falando de democracia. O cidadão comum não tem a mínima ideia do que vem a ser democracia, tampouco ele conhece as leis que regem o processo eleitoral, acreditando que tudo que vem da classe política é legal.

Provavelmente a indiferença geral da população desta região em relação às coisas da política forme mesmo uma espécie de máscara vedando os olhos daqueles que não enxergam maldade no sistema. Aquela criatura isenta e quase ingênua, que se candidatou pensando em usar o mandato para transformar a vida das pessoas, acreditando que pode melhorar a cidade, não sabia da missa um terço e foi fundo em um processo de disputa eleitoral que maculou o ego de mais de 95% dos que concorrem à Câmara Municipal. Depois da disputa, em sua reflexão, fica encucado e quer saber como vereadores ficam no mandato por três, quatro, às vezes oito legislaturas, sem ser autor de um único projeto sequer.

O revolucionário é que, surfando na ignorância do povo, a prática da compra programada de votos dá ao processo absolutamente ilegal um cunho de normalidade que chega a arrancar elogios de gente da mais alta linhagem da política e do judiciário da Bahia. Tudo isso acontece com o apoio imprescindível do distribuidor do dinheiro do Fundo de Campanha, o tal do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que tinha 4,6 bilhões de dinheiro público na conta. Lá de Brasília alguém do partido encaminha o valor de 60 mil para determinado candidato e zero para os demais.

Talvez nada disso que a imprensa tem como real seja verdadeiro, por uma coisa muito simples: Brasília acha tudo normal. As eleições aconteceram, saíram os resultados e ninguém questionou o fato de os candidatos eleitos terem ligação direta com o Detran ou com os serviços de Saúde pagos pelo SUS no município.

Neste ponto não custa perguntar: o que acontecerá se os órgãos de segurança, após investigação caso a caso, identificarem o nexo de causalidade entre os votos dos vereadores eleitos e os serviços do Detran e da Saúde Pública em Eunápolis?

Quebra da paridade de armas

Um dos princípios que norteiam o Direito Eleitoral é a igualdade de condições aos candidatos, o que se convencionou nominar de “pars conditio”, cuja força normativa deriva do que dispõe o art. 5º, caput; outra vez o art. 14 da CF/88; os arts. 36-A, I e 73 da Lei nº 9.504/1997, entre outros. Nem os partidos, nem os candidatos, tampouco o MPE e o TSE dão a devida importância à matéria. Claro: nenhum servidor público está disponível para as aspirações mais legítimas da população do interior do país.

É fato que pela quebra da paridade de armas, o resultado da eleição legislativa de Eunápolis não é legal. Um pleito como este deve ser anulado e convocada nova eleição, primeiro para se cumprir a lei; segundo, para fazer justiça aos cidadãos, cumpridores das leis, que concorreram acreditando na lisura do processo eleitoral, confiantes de que o trabalho das autoridades fiscalizadoras iria ajudá-los na eleição. “A anulação deve vir com um pedido de desculpas com grande ênfase à lei e à democracia”, diz um ex-vereador de Porto Seguro, cidade onde quem não tem dinheiro nem pensa em candidatura. A eleição deve ser anulada, especialmente, em razão da quebra da paridade das armas, princípio insculpido na Constituição Federal.

Não importa quem são os responsáveis. Mas é inadmissível que as instituições ligadas ao Judiciário e ao Ministério Público Eleitoral vivenciem um processo competitivo como o nosso sem fiscalizar nem denunciar, aguardando que algum cidadão se disponha a fazê-lo para firmar as denúncias que eles mesmos não sabem formular.

O que acontece na eleição de Eunápolis é compra programada de votos, na medida em que os beneficiários começaram a cooptar o eleitorado com seus “benefícios” desde três anos antes da eleição. A moeda de compra são os serviços da saúde pagos pelos SUS e favores que se convertem em carteira de habilitação. Provas robustas das ilegalidades ainda não chegaram à imprensa, mas estão a caminho. Até onde se conseguiu investigar, o projeto dura 4 anos e tem como protagonistas o prefeito, os vereadores e seus agentes, pessoas com mandato ou não, e algumas lideranças emergentes que sonham em entrar nas instituições através do voto de qualquer jeito. Um casal de beneficiários do esquema explicou à Folhapop, pedindo sigilo de fonte, que supostamente os candidatos com mandato usam abertamente os serviços da área da Saúde e do Detran como moeda de troca para obter votos.

Sistema azeitado pelas nomeações públicas

Para o eunapolitano comum, não há que se orgulhar de uma invenção desta em sua cidade. A compra programada de votos depõe contra todas as tradições do povo, todas as leis, todos os costumes e atinge em cheio até a moral dos menos esclarecidos. As pessoas se sentem envergonhadas com o que acontece na cidade em quase toda eleição. Há em Eunápolis a vergonha e a repulsa aos concidadãos que aceitam fazer o jogo dos candidatos corruptores. Infelizmente a maioria dos que se beneficiam dos “serviços” grátis dos vereadores, acreditam tratar-se de ações legais.

A partir da entrevista do casal que ficou nomeado durante 28 meses nos quadros da prefeitura de Eunápolis, a investigação jornalística constatou que tudo começa no gabinete do prefeito. “Eles usam até a inteligência artificial pra fazer projeções que a gente não entende bem”, diz um dos entrevistados sem se alongar no assunto. Via de regra, no interior do Brasil a meta do prefeito é ter uma Câmara de Vereadores liberada em seu favor. Como é isso? Ele enseja que a vereança aprove seus projetos, sejam quais fores as matérias, sem nenhuma emenda, sem ressalva e discussão, sem irem às comissões temáticas, mas simplesmente pelo voto do parlamentar municipal em plenário. A Folhapop constatou que na maioria dos casos o edil sequer lê a proposição enviada pelo prefeito à Casa de Leis Municipais. “É como se os vereadores colocassem na conta bancária do prefeito toda a arrecadação municipal, já que não se fiscaliza nenhuma ação do Executivo Municipal e ainda aprovam suas contas ao final do período” explica um ex-assessor da Câmara Municipal de Eunápolis que pediu sigilo de identidade.

Contrapartida milionária

Ocorre que uma situação dessa tem seu preço e quem paga é o erário. Para garantir a aprovação de tudo, absolutamente tudo o que chega à Câmara nas condições listadas, o Chefe do Executivo oferece em contrapartida a “seus” vereadores tantos quantos empregos eles exijam. Neste sentido, além dos seus cargos no seu próprio gabinete, um vereador da nossa região tem às vezes 80 cargos, 100, 150 cargos nomeados pelo prefeito a serem manejados diretamente pelo edil, que passa a ser mero aprovador de atos do Chefe do Executivo e que em alguns episódios vais a vias de fato para defender o prefeito.

A utilização desse acervo conquistado pelos nossos vereadores e a criatividade deles para manter em movimento a compra programada de votos, é coisa que merece ser estudada pela Nasa, já que as instituições fiscalizadoras e os partidos políticos atuam fielmente sob a égide do princípio da inércia: como ninguém denuncia, eles não agem.

O casal entrevistado acredita que com aqueles 80, ou 100, ou 150 cargos, por exemplo, o vereador usa supostamente um terço para fazer “rachadinha”. Que o restante ele divide em dois: uma parte ele usa o pessoal nomeado para fazer articulações diversas junto a eleitores em potencial, visitando os bairros e comunidades necessitadas semanalmente. Já a outra metade, que nesta hipótese somam supostamente 40, 50, ou 75 cargos, todos nomeados pelo prefeito, o vereador indica pessoas de outras cidades, sempre agentes atuantes em órgãos da saúde ligados ao SUS.

Eleitor nunca esquece

Assim, conforme nosso casal de entrevistados, atendendo ao vereador, que supostamente faz jus aos cargos, o prefeito nomeia por exemplo, xis nomes da cidade A, xis da cidade B, xis da cidade C, todas sediando um processo específico de tratamento de saúde pelo SUS. Eles afirmam que quando chega a ordem do vereador naquelas cidades para atender um paciente enviado por ele, para um processo cirúrgico, a máquina montada entra em ação e tudo acontece como num passe de mágica. Que a efetividade do processo é de 100% e que afinal de contas, toda essa gente está na folha de pagamento das prefeituras em questão, recebendo seus salários em conta bancária, regiamente, todos os meses. “Um negócio desse o eleitor nunca esquece, né?”, afirma outro ex-paticipante do esquema da vereança, demitido recentemente.

Como se não bastasse esse investimento, o vereador em uma cidade como Eunápolis ou Porto Seguro tem livre acesso ao Hospital Regional ou ao Luiz Eduardo Magalhães, além dos postos de Saúde, assim como à marcação de exames, sejam os exames locais ou os marcados pelo TFD. Mas o vereador/candidato jamais vai nesses órgãos como fiscalizador. Ele vai com ímpeto de cuidar dos seus nomeados nesses órgãos e reafirmar os seus interesses em realizar procedimentos em favor de seus eleitores em potencial. Ali seus prepostos fazem o diabo para atender o que é de interesse para seus eleitores em potencial. De tal forma, o desrespeito à fila de procedimentos do SUS é uma irregularidade considerada ínfima em instituições como o TFD, a atenção básica e o Regional de Eunápolis, diante da esculhambação perpetrada pelos nossos edis e seus prepostos nomeados por ele nas mais diversas instituições da Saúde do município.

Ausência de paridade, saúde e CNH

Ante o temor dos entrevistados, gente que teme represálias pessoais e que acabaram de ser demitidos em pacote de 820 cargos defenestrados em Eunápolis, cabe mais uma pergunta: diante de uma máquina dessa, funcionando durante os 4 anos de mandato do prefeito e do vereador, nessa estrutura programada para obter o voto em troca dos serviços de saúde e de carteira de habilitação, qual será o resultado da eleição? Cadê a paridade de armas? O que as autoridades entendem por legislação e fiscalização em tempos de eleição?

Especialmente em Eunápolis, um dos mais prejudicados, além do próprio processo democrático é aquele cidadão comum, de poucos recursos, que há muitos anos vem sonhando em ser candidato a vereador, elaborando propostas para o município e que concorre pela quarta vez, por exemplo. Não sabe este brasileiro que há todo um esquema, em alguns casos até um esquema político familiar que atua para produzir o sucesso dos seus, alimentando esquemas com a compra programada de votos, um acinte aos brasileiros e uma agressão direta aos anônimos cidadãos que pensam em um Brasil melhor.

Não há necessidade de listar os casos de compra direta de voto com dinheiro vivo, em espécie, nem através de doação de cestas básicas ou material de construção. Se os fiscalizadores desejarem, eles descobrirão todo os esquemas. Resta à população mais indagações diretas às instituições fiscalizadoras: como ficam os eleitos com os esquemas de compra programada de votos? Como garantir a lisura do processo eleitoral de forma que haja paridade de armas? Com a palavra as instituições da sociedade organizada, o MPE e o TRE/TSE.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
Lenium - Criar site de notícias